Frei Gilson e Dom José Falcão refletem sobre os quatro Evangelhos e os Padres da Igreja. Parte I:

“Sobre o número de evangelistas, deve-se notar que muitos escreveram evangelhos, como nos dá a entender Lucas, quando diz: Visto que muitos já empreenderam pôr em ordem (Lc 1,1). Isto é testemunhado por obras que chegaram até os nossos dias e, publicadas por diversos autores, foram fontes de diversas heresias. Tal é o caso do evangelho segundo os egípcios, Tomé, Bartolomeu, aquele dos doze Apóstolos, os de Basilides e Apeles e tantos outros cuja enumeração seria demasiado longa. Contudo, a Igreja, fundada pela voz do Senhor sobre a pedra e regada, como o paraíso, por quatro rios, possui simultaneamente quatro anéis e quatro ângulos pelos quais é levada com varas móveis, tal como a Arca da Aliança que guardava a lei do Senhor”
São Jerônimo (347-420)
Comentarii in Matthaeum, Praefatio

“Mateus é representado pelo leão porque colocou em evidência a estirpe real de Cristo. Lucas é representado pelo bezerro, vítima do sacerdote. Marcos, que não se propôs narrar nem a estirpe régia nem a sacerdotal, mas que se ocupa do lado humano, é designado pela figura do homem. Estes três seres vivos: o leão, o homem e o bezerro andam pela terra, razão pela qual estes três evangelistas trataram principalmente daquilo que Cristo realizou na carne. Mas João tem o voo da águia e contempla a luz do Ser imutável com os agudíssimos olhos de sua alma. Com isso é-nos dado compreender que os três primeiros evangelistas não se ocuparam senão da vida ativa; João, por seu turno, ocupou-se da contemplativa. Os doutores gregos, por sua vez, compreendem Mateus pela figura do homem, porque descreveu a genealogia do Senhor segundo a carne. Pela figura do leão compreendem João, porque, assim como o leão, com seu rugido, faz tremer todas as feras, também João incutiu temor em todos os hereges. Compreendem Lucas como o bezerro, pois este é a vítima do sacerdote, e ele próprio sempre tratou do templo e do sacerdócio. E pela águia compreendem Marcos, pois na divina Escritura a águia costuma significar o Espírito Santo, que falou pela boca dos profetas, e ele inicia seu Evangelho com o testemunho profético”
Santo Agostinho (354-430)
De consensu evangelistarum, 1, 6

“São quatro as partes do globo terrestre pelas quais se acha estendida a Igreja de Cristo. Mas uma é a ordem na qual conheceram e pregaram, outra a ordem em que escreveram. Porque no conhecimento e na pregação estiveram primeiro os que seguiram o Senhor presente na terra, escutaram-no quando ensinava, viram-no operar Seus milagres e receberam de Sua própria boca o mandato de pregar. Mas ao colocar por escrito o Evangelho, algo que sabemos que fizeram por disposição divina, tiveram o primeiro e último lugar, respectivamente, dois dos que o Senhor escolheu antes de Sua Paixão: o primeiro é Mateus; o último, João, de maneira que os outros dois, que não eram deste primeiro grupo, mas tinham seguido o Cristo que falava pela boca dos outros dois, como filhos daquele que abraça, colocados no meio, seriam protegidos de ambos os lados”
Santo Agostinho (354-430)
De consensu evangelistarum, 1, 2